segunda-feira, 14 de novembro de 2011

23. John Cage e o silêncio no som


John experimentou compor o silêncio.
Apareceu no palco e toda a imensa plateia bateu palmas. Depois fez-se silêncio.
Abriu a pauta e ficou imóvel.
Silêncio.
Alguém tossiu.
A voz de um homem tossiu e um telemóvel tocou.
A voz rouca de um homem tossiu, um telemóvel ligeiro tocou e uns dedos bateram no braço de uma cadeira.
A voz rouca e seca de um homem tossiu, um telemóvel ligeiro tocou suave, uns dedos bateram como um piano o braço de uma cadeira e uma mão coçava a sua cabeça.
A negra voz rouca e seca de um homem tossiu, um telemóvel ligeiro tocou suave uma variação, uns dedos bateram como um piano as teclas do braço de uma cadeira, uma mão coçava a pele da sua cabeça e uma mulher roía as unhas.
A negra voz rouca e seca de um homem tremido tossiu, um telemóvel ligeiro tocou suave uma variação em crescendo, uns dedos bateram como um piano as teclas perras do braço de uma cadeira, uma mão coçava a pele que se desfazia na sua cabeça, uma mulher roía a parte branca das unhas e um tronco roçava-se no tecido da cadeira.
John executou, perante os holofotes, um movimento de sombra negra, o seu toque na pauta foi rouco e seco, tremente, levantou ligeira a folha com a variação, os seus dedos cresciam, o piano mantinha-se imóvel, a impressão digital era pele que se desfazia, o papel roía-lhe a mão e não demorou, até a página branca roçar o seu fim.
Fechada a pauta, John levantou-se e todos bateram palmas.
O silêncio tecera o seu som.



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