Um rio é um espaço entre a terra. Mas, para algo que é uma
fenda na continuidade, apresenta uma lógica demasiado simples. O rio corre só numa
direcção.
Um barco desafiou a lógica do rio. Desafiou a sua direcção:
Subiu o rio.
O barco começou no fim do rio. Ali, a corrente transportava
corpos pelas águas encarnadas. Pedaços de homens, feridas húmidas a boiar.
O fim é sempre o homem.
O barco continuou a subir o rio. Então encontrou armas, no
fundo difuso da água. Formas de matar. O lado mecânico da destruição. O homem
constrói para destruir.
Antes do fim do homem há sempre a arma.
O barco continuou a subir o rio. Então, nas suas margens,
encontrou garrafas de álcool e restos de cigarros. Aquilo que existe para lá da
mera sobrevivência: Os vícios, o rasto civilizado do homem.
O vício é a razão que antecede a arma.
O barco continuou a subir o rio. Então, por todo o lado,
encontrou a mutilação dos animais. Restos de fome. Ossos de vaca, de cabra, de
galinha, de cão, de rato. A fome é a memória do que outrora foi visível. A sua
presença está em tudo o que sobra.
A fome é a guerra animal do homem sem vício.
E o barco subiu até ao início do rio. E lá havia tão pouco
que até a água escasseava. O rio perdia-se. Ia desaparecendo.
Então os homens do barco tiveram sede. E mataram-se para
beber. Depois tiveram fome. E mataram-se para comer. Quiseram vícios e deram-se
ao luxo de matar para os ter. E para não morrer, para sobreviverem ao massacre
do barco, mataram-se pelas armas uns dos outros.
No fim do rio há sempre corpos a boiar.
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