segunda-feira, 7 de novembro de 2011

18. O Fio da Navalha e os livros doentes

Há livros que sempre quis exibir na minha estante. Livros de lombadas simples, onde só interessam as letras que formam o seu nome, mas que escondem os retalhos da minha própria vaidade.

VEJAM.
OBSERVEM.
ADMIREM.
Tudo isto que já li.

Mas há livros que escapam a esta condição vã, porque há livros que não foram feitos para o pó das estantes. Há livros como o meu Fio da Navalha. Perdi-o, e assim vejo as suas páginas amarelas e estragadas serem folheadas por gente de todo o lado, vejo-o longe, noutro país, quem sabe até na Índia, caído no chão, tocado pelas mãos de um leproso, tocado por gestos iguais. O toque é o primeiro gesto da união. Naquelas páginas dobradas, estragadas, marcadas por essa união, reza-se a sífilis do leitor. A doença é uma diferença que se abate sobre o corpo. Porque todos sabem que a diferença é o motor da saudade, agora as personagens do livro, padecem dessa estranha condição.

Eu deixo o espaço vazio na estante. O espaço reservado a este livro doente. Mas se um dia o recuperar, se um dia ele preencher o espaço que sobra, talvez a diferença se abata sobre mim. Então terei saudades do vazio.



...wiki...

2 comentários:

Anónimo disse...

Um dos meus livros fetiche... tambem não tem lugar de estante tem lugar na mesa de cabeceira, lido e relido até a exaustão...
DPV

Rita disse...

Li (pela primeira vez!) o Fio da Navalha em Moçambique e melhor ainda durante a viagem que fiz ao Niassa, ou seja, ao "fim do mundo". Era o brutal no exterior e a revolução dentro da minha cabeça.
Foi tão singular que até o Livro nem é meu, devolvi-o mal cheguei...